Bragança Paulista, terça-feira, 1 de abril de 2021

O discurso

Discurso pronunciado pelo Presidente da Camara Municipal, Dr. Antonio Joaquim Leme, em 15 de Agosto de 1884, transcrito aqui na íntegra e na grafia original.

Inauguração da Estrada de Ferro Bragantina

Em toda a natureza esplendida que nos cerca, sujeita à lei fatal do transformismo, o aperfeiçoamento moral pertence unicamente ao homem: o Ashaverus da lenda, impellindo sempre e sempre a caminhar.

Mas essa lei suprema, ao mesmo tempo que impelle o homem ao seu aperfeiçoamento, impelle-o contra os mais duros obstaculos, as mais diffíceis provações; porque o aperfeiçoamento moral resulta do desenvolvimento scientifico e este do desenvolvimento das artes, da industria, desse todo a que chamamos civilização.

Mas, senhores, quanto custa à humanidade um passo do progresso? Quanta locubração do philosopho no silencio da observação, quanta tortura no coração do artista, que indizivel martyrio para o genio?

A humanidade afflicta, se estorse e chora, antes de encontrar remedio à sua dor.

Um inventor representa gerações que soffreram; porque é elle o resultado de um século de trabalho.

A imprensa, o vapor, o telegrapho, são o producto de todas as gerações passadas, por que não é dado ao homem gozar sem ter soffrido.

Cada perola de prazer, custa-lhe uma outra perola de dor, a gotta amarga do suor do trabalho e da lagrima.

As luctas inconscientes das priscas eras, movidas pelo barbaro capricho ,dos despotas, eram o impulso fatal do progresso, derramando ondas de sangue humano nos campos de batalha, rios de lagrimas de mães afflictas nas tectuosas noites de desolação e dor: essas lagrimas, esse sangue, incendiado pela faisca do embate do ferro contra o ferro, da pedra contra a pedra, converteu-se em um oceano de luz; luz sangrenta mas civilisadora; sacrosanto patrimonio das gerações vindouras.

Assim desceu a civilisação dos cumes do Himalaya até o Egypto; do Egypto à Grecia; da Grecia à Roma, e desta ao Imperio do Occidente, donde transbordou até as liberrimas plagas americanas. Ao homem não é dado estacionar.

Caminhar, caminhar sempre, atravez dos seculos é o seu grande destino.

Esse oceano de sangue e lagrimas, medonho ranger de dentes, horrivel estrugir de agonia universal, triste legado dos nossos antepassados, foi consagrado pelo precioso sangue do divino Martyr do Golgotha e derreteu as duas cadêas dos povos escravisados, alluiu imperios, e fez surgir dessa ruina a devastação geral, o imperio da justiça e da paz, a liberdade dos povos, a igualdade entre os homens, e a estatua da caridade christã, transformando as lagrimas ardentes do desespero em doce balsamo de consolação!

A estrada de ferro bragantina, como todas as obras do progresso, é producto de immenso trabalho e soffrimento.

Quem nesta provincia ignora a historia da Bragantina?

Quem desconhece a lucta titanica, travada pelo venerando ancião presidente da Companhia, à frente de alguns benemeritos cidadãos, dignos por todos os titulos, de applauso do municipio e da provincia; elles, que com a admiravel serenidade, no auge do perigo, arcando com os maiores sacrificios, arriscando seus haveres o futuro de suas familias, sustenta-los unicamente pelo patriotismo, pela honra e brio que nunca os deixaram, com inalteravel firmeza calmos dentro da barca prestes a submergir-se em meio do geral desanimo, abandonados pelos poderes publicos, vendo o presidente da Companhia, um dos mais venerandos vultos do glorioso e historico partido liberal desta provincia esquecidos os valiosos serviços por elle prestados com tanta abnegação durante mais de quarenta annos, assistindo em pessoa ao ingrato proceder de seus velhos amigos na Assembléa de 1882, lucta suprema em que empenhára todas suas forças e energica vontade para dotar este torrão de seu nascimento com a estrada de ferro e telegrapho.

Pois bem. Sublimes Colombos deste heroico pedaço da America; como o immortal Kenavez, romperam os obstaculos que se amontoaram em seu caminho e triumpharam da sorte que lhes reservaram, a ingratidão de uns e fraqueza de outros, que miseravelmente os abandonaram, fugindo a sagrados compromissos.

Graças à firme vontade, à honra e hombridade destes poucos cidadãos, ahi temos aberta a estrada do progresso dos tempos modernos; mais um elemento de prosperidade para esta heroica provincia.

Vultos eminentes, benemeritos da provincia, honrados cidadãos, coronel Francisco Emilio da Silva Leme, José Gomes da Rocha Leal, tenente Francisco Alves Cardoso e seu irmão coronel José Alves Cardoso, capitão Manoel José Ferreira da Silva e capitão Joaquim Antonio da Silva, fiadores e credores da maior parte do capital da empreza, e o capitão Gabriel da Silveira Vasconcellos, membro da directoria e outros dignos cidadãos que concorreram para o emprestimo, a cuja frente se achou sempre o digno presidente da directoria, incançavel obreiro do progresso.
Cidadãos cujos nomes ficarão gravados em lettras de ouro nos annaes da Companhia, graças aos vossos esforços hoje coroados de louros abrem-se as portas desta cidade ao mundo, à luz da civilisação das raças adiantadas.

Eia, caminhemos para as grandes batalhas do nosso seculo. Temos direito a um lugar distincto, no areopago dos povos activos e trabalhadores. O fucturo é nosso.

Eu vos saudo, em nome deste municipio, a vós, distincto entre os mais distinctos prelados brazileiros, que nos trazeis a paz evangelica, vós, Apostolos da caridade christã.

Eu saudo, os distinctos cidadãos da directoria da Companhia, e os que os auxiliaram com seus capitaes.

Saudo os distinctos engenheiros drs. Luiz Leme, Eisenbach e Fernando de Albuquerque.

Saudo os empreiteiros Claudino Pinto e Pompeu Giongo, populares cidadãos cuja memória ficará gravada no coração dos bragantinos.

Saudo, finalmente, os soberanos do futuro, os trabalhadores, que com a picareta e o alvião aplainaram o leito da estrada.

Viva o exmo. Revdm. Sr. Bispo Diocesano.

Viva a directoria da Bragantina.

Vivam os cidadãos que empenharam seus capitaes na empreza.

Viva o povo do municipio de Bragança.


Bibliografia desta página:

- Annuario de Bragança para 1902.


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